" Fizemos um minuncioso e destemido inventário moral de nós mesmos."
Eu já havia tentando fazer meu inventário moral com a literatura sugerida no Nar-Anon: Programa de Doze Passos Nar-Anon, e também com o sugerido no Al-Anon: "Plano para progredir: Inventário para o passo 4 do Al-Anon", mas na época que tentei não senti consistência no conteúdo, achava as perguntas superficiais e muito ligadas a minha reação em relação ao adicto, ou aos outros, senti que minhas respostas eram muito superficiais, e que talvez não fosse a relação com um adicto que tivesse disparado a co-dependência, mas que minha co-depedência já existisse e que essa relação apenas fez com que a co-dep se tornasse crônica.
Deixei de lado essas literaturas, e talvez agora seja um bom tempo de tentar novamente com elas.
O fato é que, no final de 2009, convidamos um companheiro para uma temática sobre o quarto passo foi estraordinário, este companheiro além de Familiar de Dep. Quim era também companheiro de A.A., nessa temática ouvi ele dizer:
"Uma vez acabei derrubando uma de minha formas para pão no chão, o que criou um "bico" na forma, agora toda vez que faço pão nela, o pão sai também com um bico, com a minha mente é a mesma coisa, uma vez, frente a uma situação amedontradora ou de excesso stress inconcientemente tomei uma atitude, agora sempre que me vejo frente a uma situação parecida o gatilho dispara a mesma atitude: sempre um pão de bico e para entender o porque foi necessário lembrar quando/onde/como/de que modo/ e em qual piso que deixei a forma cair - Buscar o resultado é simples: basta ver a forma que eu uso, buscar a origem é o que chamamos de minuncioso"
"Quando comecei meu quarto passo tentei deixar de lado qualquer tipo de julgamento, foi mais ou menos como tentar lembrar minunciosamente as histórias contadas por outras pessoas, pois quando fazemos o quarto passo e ao mesmo tempo julgamos nossos atos isso só nos traz mais dor, pois esse passo não nos sugeri que façamos mudanças, apenas sugeri que um inventário. Se você está no passo 4, é porque você já entregou sua vida a um Poder Superior a você, já admitiu que é impotente e que esteve insano, mas que o PS pode ajudá-lo a recuperar a sanidade, e que agora é hora de sentar, arregaçar as mangas e começar a escrever, pois um inventário jamais será Minuncioso se vc o guardá-lo apenas em sua mente, no entanto a responsabilidade sobre esse minuncioso inventário será sua, guarde-o bem caso vc não queira sua vida exposta por outra pessoa."
"Ser destemido também é imprescindivel, não faça seu passo 4 pensando em como vai ser seu passo 5, nem o faça-o imaginando que alguém possa "acha-lo" um dia, isso limita nossa capacidade de destemido e potencialmente minuncioso, o passo 5 não está ligado ao passo 4, apenas é uma sugestão e não o resultado, assim como o passo 4 o passo 5 é individual e foi feito exatamente com essa finalidade, do contrário teriam sido escritos juntos como o passo 1, que nos dá duas sugestões juntas."
Ao final da temática algumas companheiras pergutaram como ele havia feito o próprio inventário, se por alguma literatura/questionário/roteiro, ou se havia sido "escrita livre", e ele nos mostrou um roteiro sugerido, esse roteiro era voltado para alcóolicos, mas pelo que entendi não fazia parte da literatura oficial de A.A., lendo o roteiro percebemos que ele poderia facilmente ser voltado para outra irmandade, que assim como os passos, esse roteiro poderia ser pego emprestado se alterassêmos a o termo "alcóol" por "adicto" ou "outras pessoas", e "alcoolismo" por "co-dependencia". Na época eu tinha uma madrinha que assim como eu, nunca havia escrito seu 4ºpasso, e nós não éramos as unicas, infelizmente a ferramenta "apadrinhamento" nos grupos para familiares não é muito utilizada/difundida. Então convidamos esse compaheiro para auxiliar eu, minha madrinha e alguns companheiros a fazermos nosso 4º passo, DEIXO CLARO QUE ESSE GRUPO QUE FORMAMOS EM NADA TEVE HAVER COM A.A OU NAR-ANON, QUE OS ENCONTROS QUE FIZEMOS NÃO ERAM REUNIÕES DE GRUPOS DE 12 PASSOS. APENAS DECIDIMOS ESCREVER JUNTOS (NO MESMO LOCAL) NOSSO 4 PASSO.
Nossos encontramos duraram várias semanas, sou grata por ter feito parte disso, eram encontros espirituais. Os encontros começavam com a oração da serenidade, líamos uma página sugerida por algum dos presentes, e nos espalhávamos pelo lugar para cada um escrever seu 4º passo particular. As vezes alguem pedia ajuda numa questão que não entendia a esse Sr. que nos ajudava a interpreta-la (ele fazia apenas isso, não dava retorno, não fazia pela pessoa, ah! ele marcava o tempo também...nos lembrava que o encontro daquele dia havia chegado ao fim).
As vezes também alguém caía em prantos, ou apenas se sentia desconfortável, quem estava próximo ou percebia isso, oferecia um olhar, um afago, ou um simples abraço de consolo, não era dito uma só palavra, ficávamos por uma hora e meia em silêncio, escrevendo, relembrando... Era como se cada um ali estivesse enfrentando um leão, no entanto estavamos juntos não havia motivo para desisitir, acho que nunca me senti tão amparada na vida, e eu nunca senti tamanha cumplicidade, mesmo que nenhum deles naquela sala imaginasse o que eu escrevia era como se dividissêmos uns com os outros o peso da nossa bagagem. Ao final do tempo, voltavámos a sentar juntos, e quem tivesse vontade de partilhar algum sentimento ficava a vontade para falar, terminávamos com um grande abraço.
Cada um terminou seu 4ºpasso sozinho, quando todos haviam percebido e entendido a finalidade do quarto passo, nós decidimos que era hora de cada um terminar seu em lugares individuais. Após ter terminado o meu, demorei ainda um bom tempo para voltar e ter coragem de ler o que eu havia escrito, consegui perceber e entender muito mais de mim, e do que eu sou hoje. Eu não partilhei imediatamente meu inventário com Deus, nem com outra pessoa e nem comigo mesma demorei meses para isso.
Durante esse processo percebi que minha lembrança mais ativa começa a mais ou menos após os 7 anos, e que eu não lembro de muitas épocas da minha primeira infância (0 aos 7 anos), descobri que foi examente nessa época que "eu deixei minha fôrma amassou", descobri que minha memória pode me pregar muitas peças, ou que minha percepção de mundo quando eu era criança era bem distorcida, por exemplo quando criança me lembro de ter medo de minha mãe morrer por ela ser muito velha (rsrsrs deixa ela saber disso!!!), eu tinha muito medo do sofrimento que isso poderia causar no meu pai, minha mãe na época tinha só uns 30 anos, hoje ela deve estar com uns 50 e tralálá, rs, e é tão jovem, não jovial... jovem mesmo, lembro também que nossa vizinha tinha dois filhos, adultos, numa conversa com minha mãe ela disse que eles eram crianças também, que a menina já deveria ter uns 13, e que o menino era só 2 anos mais velho que eu... Isso que dizer que naquela época, quando eu deveria ter uns 4 anos, um menino de 6 já era adulto e uma mulher de 30 era um idosa...kkkkk Graças a Deus minha visão se ajustou!!!!!
Teve um dia, que eu estava saindo de um dos nossos encontros e na saída eu encontrei um amigo da época de adolescente, ele estava esperando a sogra, uma companheira minha, enquanto conversávamos sobre o passado e o presente, ele me contou que estava frequentando N.A, a um bom tempo, e que Fulano e Beltrano também, eu lhe disse que tinha encontrado Ciclano e que ele também era um adicto em recuperação agora, lembramos de Um Amigo que foi morto, e de dois que foram presos e que tinhamos perdido contato, ele me perguntou o que eu estava fazendo ali, eu lhe contei que depois que a nossa turma se dispersou, quando cada um seguiu seu rumo, eu conheci um rapaz, de boa familia, que queria ser engenheiro, que era decente, educado e honesto, que nos casamos e que depois foi internado por dep quimica, e que hj estava em recuperação no N.A. o que me fez chegar ao Nar-Anon.
Essa turma de adolescência que eu fazia parte, era uma turma muito unida, éramos em +/- 20 pessoas - amigos mesmos, quando juntava os "camaradas"´chegavamos a mais ou menos uns 40 - a gente estava junto todo santo dia, viajavamos junto, e meus pais conheciam cada um deles, a gente meio que cresceu junto, eu morava num bairro onde quase todo mundo sabia quem era quem e quem era filho de quem, eu morei lá dos 11 aos 18...E na época de adolescência a gente experimentou muitas coisas, e digamos que essa turma que eu fazia parte era tipo "turminha do mal", poucas pessoas de fora da turma sabiam, mas a gente usou muita droga junto, muita variedade de droga e em muita quantidade, só pra esclarecer a primeira vez que eu consumi drogas não foi com essa turma - foi com uma parente - e nunca me "pressionaram" para usar e eu nunca senti que "para fazer parte da turma" eu precisava usar... Pelo contrário, o que mais se ouvia naquela turma era "fulano queria experiementar e eu disse pra ele que era problema dele, que comigo ele não ia experimentar nada", os meninos tinham sim uma certa preocupação de "serem responsáveis" por alguém "usar droga", e não se fazia pressão ou apologia, pelo contrário normalmente quem fazia parte da turma e não usava não se sentia mal ou excluido ...Só pra deixar claro que nenhuma pessoa "TEM CULPA DO SEU FILHO SER ADICTO".
Eu usei, outros usaram, muito ou pouco, o fato é naquela época eu já me sentia "mãezona da galera", vivia enchendo o saco pra Fulano voltar a estudar, de Ciclano maneirar, de Beltrana se cuidar... Eu me lembro de ter sido a primeira pessoa a falar sobre camisinha e a levar no ginecologista duas de nossas amigas. E elas tinham mães viu...E a gente lembrou de várias histórias esgraçadas e tristes....
Antes de ir embora ele me abraçou, sorriu, e falou:
" Ê Cicie, vc passou a vida tentando salvar os outros né?"
É...eu passei mesmo, naquele dia pela primeira vez agradeci ao PS por ter colocado um adicto na minha vida e feito com que eu buscasse ajuda para mim também. Só assim eu pude perceber que mesmo passando a vida tentando salvar os outros eu não consegui salvar nem eu mesma, e que alivio eu senti em saber que eles mesmos poderiam se salvar, que ninguem precisava de uma "salvadora da patria", agradeci por meu marido estar no NA, e que através dele eu pudesse ver em NA alguns amigos que eu achava que tinha "perdido".... Louco né? Enfim... voltando do momento lembranças em "preto e branco"...
Meu 4º passo me mostrou e me ajudou a aceitar quem eu sou, do que eu sou feita, me mostrou meus defeitos de caracter, me mostrou a origem desses defeitos - o que me ajudou a me perdoar e a querer mudar, me mostrou também minhas qualidades, me mostrou que ainda tenho segredos que não conto nem a mim mesma, e muito menos a Deus.
Você pode imaginar que seja fácil partilhar o 4ºpasso pronto consigo mesmo ou com Deus, afinal ninguém te conhece mais do que vc mesmo e Deus não é? rsrsrs... Olha eu achei dificil...
Ah! também não partilhei meu 4º passo com minha madrinha, por motivos que não vou comentar ele foi partilhado com duas pessoas, essas pessoas eram companheiras e eu sentia bastante identificação com as partilhas delas.
E pra quem achou que nesse post eu iria divulgar na integra meu 4º passo....
Unf! Desculpe!!!
5 comentários:
Nossa... esse post poderia ter sido menor, achei cansativo...
Bom dia querida!
Como é dificil fazer um inventário de sim mesmo né? Ainda não tentei isso...
Adorei a parte " me mostrou que ainda tenho segredos que não conto nem a mim mesma, e muito menos a Deus." Me identifiquei com isso... É mais fácil fingir que esses segredos não existem do que encará-los, é como mecher em feridas aparentemente já cicatrizadas...
Enfim... adorei seu post, ele me incentivou a tentar fazer meu 4º passo, sem compromisso... Sinto que isso irá me ajudar muito mais...a conhecer a mim mesma, meus pontos fracos e fortes...
Um beijo!!!!
Cicie, não tem nada de cansativo em seu post não, adorei ele!
Foi muito bom você ter falado do quarto passo, foi bom você ter mostrado através de exemplos o quão ele é importante.
Um grande beijo!
Excelente!!!
Pra mim foi importante perceber a luta interior... Acho q tb estou assim.... Não é fácil pra ninguém quw queira enfrentar de vdd.
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